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Bernardo Toro: “É preciso cuidar de si, do outro e do espírito”

01/10/2019 | Conviva Educação

Na quinta edição do Seminário Internacional de Educação Integral (SIEI), que ocorreu dias 24 e 25 de setembro em São Paulo, o colombiano Bernardo Toro falou aos educadores sobre a importância de cuidar de si, do outro e do espírito. Ele afirmou que só assim conseguimos encarar um desafio urgente: transformar a educação para lidar com a mudança climática, que veio para ficar e atingirá a todos. “A educação não é um privilégio, um serviço ou benefício. É um fator estratégico”, afirmou.

Toro tem em sua trajetória o trabalho como professor universitário e assessor dos Ministérios da Educação e Comunicações da Colômbia, Brasil e México. Foi coordenador da Superintendência de Cidadania do Fundo de Investimentos para a Paz (FIP) da Presidência da República da Colômbia, fundador e diretor por onze anos da revista Education Today, Latin American Perspectives. Atualmente é Diretor da Fundación AVINA e Membro do Conselho Internacional do Instituto Ethos.

Leia abaixo um resumo de sua fala e, neste link, a transmissão realizada em vídeo de todo o evento:

 

O maior desafio

“Qual o maior problema que o Brasil enfrenta? Não é a corrupção ou a política. O maior problema que temos hoje chama-se crise climática. Creio que não temos dado a devida atenção a isso; mas ela não passará. Temos muito pouco tempo para nos prepararmos para esse desafio e estamos distraídos.

Essa crise vai ser determinante para as transformações educativas, políticas e econômicas. Ela vai nos acompanhar pelo resto do tempo que os humanos estiverem no planeta e já impacta na educação, nas formas de sentir, pensar, consumir e viver.

Será o mais importante desafio que a espécie humana passou nos últimos anos, atingindo todos, não importa o país, o sexo, a ideologia ou a religião. É como pensarmos no papel determinante que tem a gravidade: afeta qualquer um e o tempo todo.”

 

Mudanças no dia a dia

“A crise climática já começou e não vai terminar, como será com corrupção ou variações na economia. Há países que já estão sofrendo com ela, como os do Pacífico Sul, que estão cobertos de água e as pessoas precisam abandonar suas casas. As temperaturas estão mudando e espécies desaparecem diariamente. Mas não fazemos nada. É como dizer: ‘a casa está pegando fogo e estamos na sala tomando uísque’. Devemos pensar em opções para o uso do plástico, da produção de gado (que é mais contaminante do que os gases que saem dos ônibus e de veículos!), da gasolina e dos combustíveis fosseis. Como mudar o modo de consumir e produzir?”

 

Novo paradigma

“Temos que mudar rapidamente nossos hábitos e adotar um novo paradigma, ordenando nossas ações e elegendo o que é ou não importante. Vivemos em um momento em que as comunicações nos aproximaram e que nos reconhecemos como seres de uma mesma espécie, com fácil ligação das pessoas que habitam no restante do mundo e então dividem conosco uma mesma casa. No nosso continente está a maior reserva de água doce no mundo e estaremos no centro das migrações do mundo nas próximas décadas. Estamos preparados ou colocaremos exércitos em todas as fronteiras para evitar que entrem? A migração venezuelana já é uma oportunidade de lidarmos com a hospitalidade que precisaremos ter. O aquecimento global vai modificar a organização do planeta!”

 

Qual o novo paradigma da educação?

“E como organizar a educação levando em conta esse contexto? Os cientistas nos dizem ‘não coma carne’, ‘não use carro’, mas não vamos parar de produzir ou consumir. Precisamos aprender a como cuidar.

O cuidado era algo apenas feminino ou uma responsabilidade da área da saúde. Em 1999, Leonardo Boff publicou um livro chamado ‘Saber Cuidar’, e nele indica que o cuidado é o grande ordenador das novas gerações. Este livro entrou para a história! É dele a frase: ‘o cuidado não é uma opção. Aprendemos a cuidar ou perecemos’.

Temos que mudar o paradigma para chegar a um nível superior de humanização. Os valores mais importantes serão saber cuidar, fortalecer relacionamentos e trocar com os demais. A maior expressão de amor é o cuidado.”

 

Cuidar de si mesmo, dos outros, do intelecto, de desconhecidos e do planeta

“Sobre cuidar de si mesmo, incluímos o cuidado com o corpo e com o espírito: normalmente não temos na escola um espaço para expressão corporal. Ensinamos que o corpo não vale nada, e danças, esportes ou yoga são extracurriculares! O importante é o cérebro e o resto não é valorizado. Não temos uma metodologia de cuidado com o corpo e confundimos saúde (que exige educação e comportamento) com medicina (que exige ciência, dinheiro e tecnologia). A medicina para todos, e com qualidade, só é oferecida em países que conseguem garantir a saúde. A saúde pode ser a vista como a base fundamental de cuidado com o corpo, e é fundamental para encarar a crise global.

Sobre cuidar dos outros – do próximo e do distante –, é saber criar e fortalecer vínculos emocionais, fazer amigos, parcerias estáveis, e zelar pelos bens públicos e pelo planeta. Isso se cria na família e em casa, enquanto se alimenta, ri ou chora, durante passeios ou trabalhando. É formar redes de apoio, pertencer a organizações, ter um comportamento inclusivo em todos os aspectos. Precisamos cuidar até dos estranhos, de quem não conhecemos e nem vamos encontrar.

Sobre cuidar do espírito: apenas nos ensinam a religião. E isso é diferente de dar atenção à espiritualidade, que é a capacidade e o esforço de pessoas de evitar ou diminuir a dor do outro. A maioria de vocês, educadores, tem este comportamento porque se dedicam a diminuir a ignorância dos estudantes.”

 

Autonomia e liberdade

“Só a autorregulação produz a liberdade. É preciso se conhecer para ter autonomia e dar ordens a si mesmo. Se nos países de tradição budista, como Tailândia ou Camboja, existem momentos de silêncio e autoconhecimento, na América Latina não colocamos em prática metodologia ou pedagogias voltadas ao assunto.

Precisamos de disciplina para mudar o comportamento e fazer transformações, como as exigidas pelas mudanças climáticas. Sempre teremos raiva, inveja ou ira, por exemplo, mas ter consciência desses sentimentos é o primeiro passo para termos controle ou saber lidar com eles.

O grande desafio é passar da heteronomia à autonomia. Isso significa: de um comportamento normatizado, que inclui aprovação ou culpa, para uma autorregulação e responsabilidade, aquela que realmente gera mudanças.

Quando a criança encontra na escola um ambiente de confiança, desenvolve uma alma forte e segura. Para isso, na escola suas dúvidas devem ser respondidas, seu sotaque não pode ser ridicularizado, sua forma de vestir não deve ser motivo de bullying, seus pais precisam ser respeitados e os professores devem ser tratados corretamente.”

 

Educação de qualidade

“A educação só é de qualidade quando inclui e é boa para todos. Na América Latina produzimos escolas de duas qualidades: para nossos filhos e para os filhos dos outros. A única forma de ter excelência educativa é oferecendo um mesmo padrão para todas as pessoas. Se não chegarmos neste ponto de alta qualidade para todos, não conseguiremos mudar o comportamento para encarar as mudanças climáticas.”

 

Palestras e discussões no Seminário de Educação Integral

O Seminário Internacional de Educação Integral (SIEI) foi promovido pela Fundação SM em parceria com o Canal Futura, CENPEC, Centro de Referências em Educação Integral, CIEDS, Instituto Alana, Instituto Rodrigo Mendes, Instituto Tomie Ohtake, Sesc e SM Educação.

Na primeira mesa, Rodrigo Hübner Mendes foi o mediador da conversa com Elisa Lucinda e Flávia Oliveira sobre “Desafios da sociedade contemporânea e o papel da educação”.

Em seguida, “O direito à educação no Brasil e as perspectivas para a educação integral” foi tema da discussão com José Henrique Paim Fernandes, Macaé Evaristo, Maria Thereza Marcílio e Rosana Rodrigues Heringer, e contou com a mediação de Anna Helena Altenfelder.

Na mesa sobre “Currículo na educação integral”, estiveram presentes Cássia Dias (EMEF Jose Inocêncio Monteiro), Karla Fornari de Souza (Escola SERTA), Keit Cristina Lira (Centro de formação e acompanhamento à inclusão, CEFAI, da SME de São Paulo), Roger Vital de França Andrade (SME de Serra, no Espírito Santo) e Valcenir (professor da Escola Guarani, em São Paulo). A mediação foi de Pilar Lacerda.

 

Crédito da foto de topo: Thiago Luís de Jesus e Helder Lima/Cenpec Educação).